Jamie Lidell começou por ser mais um tipo estranho e obscuro numa editora marginal e maldita, a Warp. Hoje, ambos gozam um invejável e inesperado sucesso. Curiosamente, tanto Lidell como a Warp alicerçaram a sua reputação no experimentalisto torcido e declarado e conquistaram, têm vindo a conquistar as massas, paulatinamente, com o reconhecimento do chamado publico alternativo mas também com uma aproximação formal, da estética sonora, mais acessível e imediata, ainda que não menos transgressora nem subversiva, ao consumidor mais “mainstream”.
No início, o pequeno James estudava música, tocava percussões e outros instrumentos e não resistia ao apelo da electrónica. Estudou física, tirou o curso, apanhou um febrão pelo caminho e um dia, em que virou à esquerda em vez de seguir em frente, encontrou a filosofia e provavelmente até terá trocado algumas ideias sobre o assunto. Ou seja, ao contrário da maioria dos jogadores de futebol, conseguiu conciliar a formação académica com a paixão musical e felizmente optou pela segunda.
Estreou-se com o álbum “Muddlin' Gear” e foi internado na ala psiquiátrica da electrónica. Como profilaxia e tentativa de cura, propuseram-lhe audições para os “Commitments” de Alan Parker, mas preferiu dedicar-se à terapia de grupo com Cristian Vogel e surgiram os Supercoolider. No mesmo ano, 1999, editaram “Head On” e Lidell iniciou-se na vertigem do groove, numa espécie de space funk odyssey com alma . Nunca mais recuperou. “Raw Digits”, o segundo álbum, cumpriu a expectativa de sublimação do dark side da soul de Jamie Lidell, e depois da colaboração com a Mathew Herbert Big Band percebeu-se que algo de muito importante estaria prestes a eclodir na sua vida... Terá sido a remistura que fez para The Audience, de Matthew Herbert, a pedra de toque. Lidell utilizou um programa de randomização de palavras e foi combinando aleatoriamente as sopas de letras originadas até dali surgir algum sentido. A nova letra foi agora usada no tema “Music will not last”.
Com a recente edição de "Multiply", Jamie Lidell o antigo agente provocador ao serviço da electrónica radical, transmutou-se (diríamos memso galvanizou-se) e assumiu o soul man que sempre existiu dentro dele. O resultado foi o aplauso unânime, conquistando criticas favoráveis em todo o lado. Capa da Wire, páginas na Straight No Chaser, Dazed and Confused, Pitchfork ou no Guardian, contribuiram para o reconhecimento do público e em Portugal, mostrou o que valia de pijama vestido e chinelos de quarto revelando uma alma do tamanho do mundo e uma disponibilidade para o espectáculo/ entretenimento magnética e contagiante. Tanto no disco, como em palco, desnuda a alma e dá o corpo ao manifesto, cresce e multiplica-se e afirma-se como soul man capaz de fazer as delícias dos fãs de Otis Redding, Marvin Gaye, Stevie Wonder, Sly Stone, Prince, Funkadelic ao mesmo tempo que é comparado a D'Angelo e até aos Jamiroquai. Enquanto isto, não perde adeptos na secção da weird electronica. Tudo arranjado e subtilmente torcido por uma estrutura musical que assenta que nem uma luva na voz quente, cheia e expressiva de Lidell, mas que apesar do apelo pop e química imediata não se verga a quaisquer tipo de cânones do "mainstream" (até porque á algumas excepções à estética soulfoul dominante, arritmias, rare funk groove, pequenas trips psicadélicas, como pisacares de olho em sono rem, torrões de afro-beat, ...), continuando ( como nos filmes de terror, há sempre uma centelha de mal que nunca se extingue...) a assumir a necessidade de inventar e surpreender, ainda que mais subtilmente.
Um disco fantástico que poderá surpreender apenas quem não ouviu com atenção o último álbum de Supercollider, ou não reparou que no melhor da aventura jazzística da Mathew Herbert's Big Band constava o aviso cantado por J.L, "Everything Changed".
Tudo mudou para ainda melhor. Ao vivo tudo pode acontecer. Ele já nos avisou. Alimenta-se do público. Portanto, preparem-se, sábado, festa oxigénio, com Jamie Lidell à solta no Sabotage a fechar os concertos às quatro da manhã.
À meia-noite há Who Made Who, às duas, Jackson and His Computer Band. Pelo meio e até ao fim há DJ's Oxigenio All Stars.